É legal usar VPNs no Brasil? Quais são as regras jurídicas para VPNs?

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4 min readApr 19, 2024

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Ronaldo Lemos*

Os serviços de VPN fazem parte da dinâmica de uma rede aberta como a Internet. Por essa razão são usados, por exemplo, por governos e empresas para garantir segurança, privacidade e qualidade de serviço no fluxo de informações pela Internet, na forma de VPNs corporativas.

Entretanto, nos últimos anos, houve um crescimento da oferta de serviços de VPN também para consumidores individuais. A razão é que em uma internet em que a privacidade se tornou um recurso escasso, faz sentido também para as pessoas quererem buscar o mesmo que empresas: segurança, privacidade e qualidade de serviço no fluxo de dados. Esse é um interesse legítimo. Embora não haja um consenso na nomenclatura, esses serviços são usualmente chamados de VPNs comerciais.

Um dos debates gerados pelos tuítes de Elon Musk* é uma possível medida judicial de bloqueio para a plataforma X no Brasil. Aqui não iremos adentrar o tema específico da legalidade/constitucionalidade dessa medida. No entanto, a controvérsia acendeu o debate técnico e jurídico em torno dos serviços de VPN comerciais. Por exemplo, em que medida eles poderiam ser usados para contornar ordens de restrição de conteúdo ou até de bloqueio técnico no território nacional.

O uso desses serviços no Brasil, em tese, seria ilegal? No contexto brasileiro, a utilização de serviços de VPN comerciais não é ilícita em si, diferentemente do que ocorre em outros países do mundo em que o seu uso passa por requisitos e limitações legais específicas.**

Dito isso, porém, é preciso compreender que o uso dos serviços de VPN comercial pode trazer implicações jurídicas, especialmente para as partes envolvidas em casos judiciais de bloqueio. Nesses casos, os destinatários do comando judicial não podem usar referidos serviços de VPN comercial para burlar a ordem judicial que a eles foi direcionada e praticar os atos anteriormente restritos, como a própria plataforma X, sob pena de estar violando diretamente a ordem judicial. Nesse caso, a obrigação de se abster do uso da VPN é pessoal, do destinatário do comando judicial.

Um cenário diferente é o de terceiros, usuários ou não, que não fazem parte do processo judicial e que podem utilizar serviços de VPN para acessar referidas informações e conteúdos lícitos pela legislação nacional. Em geral, o acesso simples a informações e conteúdos nesse cenário não é considerado uma violação à lei do país.

O fato do uso dos serviços de VPN comerciais não serem ilícitos em si não deve ser entendido como uma constatação de que eles “não são regulados” pelo ordenamento jurídico brasileiro. Pelo contrário, esses serviços são regulados pelo Marco Civil da Internet e são classificados como “provedores de aplicação de Internet”.

Como provedores de aplicação de Internet, eles estão sujeitos às regras previstas no Marco Civil, como a retenção de registros de acesso à aplicação de Internet por 6 meses, nos termos do art. 15.

A oferta desses serviços no Brasil já encontra requisitos e deveres estabelecidos e que são aplicáveis a todo o ecossistema de aplicações de Internet no país. Não há um vácuo legal. Por fim, vale lembrar que pode existir a tentação por parte do judiciário de querer bloquear os próprios serviços de VPN. Imagine-se um cenário em que boa parte dos usuários da internet brasileira são usuários de VPN, justamente para burlar bloqueios. A eficácia das ordens judiciais passa a ser, nesse cenário, cada vez menor. Para remediar a situação, o judiciário passa então a proibir serviços de VPN no país.

No entendimento do autor do presente texto, essa medida draconiana só se justificaria em casos extremos e claros de proteção iminente à segurança nacional. É uma linha que não deveria ser cruzada em um país em que vigora o Estado Democrático de Direito.

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*https://twitter.cm/elonmusk/status/1777089879295631409.

**SANTOS, Ramon Albeto dos. O acesso a conteúdos digitais dispoíveis na Inernet apenas em outros países: uma análise jurídica a partir da oferta e uso de serviços de VPN individual. 2023. Tese (Doutorado) — Universidade de São Paulo, São Paulo, 202

*Co-fundador e cientista-chefe (CSO) do Instituto de Tecnologia e Sociedade. É graduado em Direito pela Universidade de São Paulo, mestre em direito pela Universidade de Harvard e doutor em direito pela USP. Foi pesquisador visitante nas universidades de Oxford (2005), Princeton (2011–2012) e no MIT Media Lab (2013–2016). Professor da Universidade de Columbia em Nova York (na SIPA, School of International and Public Affairs) e do Schwarzman College na Universidade de Tsinghua em Pequim. Foi nomeado pelo Fórum Econômico Mundial como um dos “Jovens Líderes Globais”. É presidente da Comissão de Tecnologia da OAB-SP. Atuou como membro do conselho de diversas organizações, como a Fundação Mozilla, Access Now, Hospital Alemão Oswaldo Cruz, dentre outras. É membro do conselho da Fundação Stellar e membro do Conselho de Supervisão do Meta. Integrou o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e foi membro e vice-presidente do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional.

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O Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio estuda o impacto e o futuro da tecnologia no Brasil e no mundo. — www.itsrio.org