Como conectar o governo às startups?

Por Vanessa Almeida*

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A mudança no mundo se acelerou nos últimos anos. A revolução tecnológica conecta cada vez mais pessoas, gerando impacto na política e na economia. Nesse cenário, a população do Brasil (e de diversos outros países) cobra de seus governos uma atuação mais eficiente, transparente e sem desperdícios. Como fazer mais com menos e aumentar os controles ao mesmo tempo? A única resposta para equilibrar essa equação é o uso intensivo de tecnologia pelo governo.

O primeiro passo é entender o contexto brasileiro e mundial, e avançar na direção certa. Avançar na direção de intensificar o uso de tecnologia para melhorar os serviços ao cidadão. Como fazer isso? Como podemos construir essas soluções tecnológicas? Existem dois caminhos possíveis: usar os servidores e empregados públicos para construir essas soluções e/ou alavancar a construção com a participação do mercado. Depois de passar vários anos gerenciando o desenvolvimento de sistemas dentro de uma empresa pública, estou convencida de que não temos a opção de escolher apenas um caminho. Precisamos somar esforços do público e do privado, pois a demanda por melhorias dos serviços ao cidadão através do uso de tecnologia é maior do que a oferta disponível.

Chegamos, então, a outro ponto crucial e central desse texto: como conectar o governo ao mercado de tecnologia? Especialmente, como conectar o governo a startups, chamadas de GovTechs, que podem gerar benefícios para milhões de cidadãos? Hoje, o governo contrata a iniciativa privada usando a Lei das Licitações, também conhecida como 8.666. Essa lei foi criada em 1993 para tratar de qualquer tipo de contratação realizada pela administração pública. A 8.666 não foi criada com o objetivo de permitir ao governo contratar desenvolvimento de sistemas ou produtos de software de maneira eficiente, pois em 1993 essa nem era uma demanda relevante. Embora a lei tenha sofrido ajustes, e outros decretos e atos normativos tenham sido criados, a tecnologia vem andando mais rápido que as leis.

Nos últimos anos, o governo tem se mostrado sensível a esse tema e buscado soluções. Em fevereiro de 2018, foi publicado o Decreto Nº 9.283, que regulamenta a Lei Nº 10.973, de dezembro de 2004. Esse decreto tem como objetivo incentivar a inovação e a pesquisa científica e tecnológica no ambiente produtivo, dando maior segurança jurídica para que atores públicos e privados do ecossistema nacional de inovação realizem negócios e parcerias. Cabe destacar dois itens do decreto: a possibilidade da administração pública investir em startups de forma direta ou indireta; e a possiblidade da administração pública realizar encomendas tecnológicas. As encomendas tecnológicas estão relacionadas a desenvolvimento e inovação que envolvam risco tecnológico, para solução de problema técnico específico ou obtenção de produto, serviço ou processo inovador. No caso das encomendas tecnológicas, a administração pública pode escolher o contratado que apresentar a maior probabilidade de alcance do resultado pretendido, desde que o faça de forma documentada e transparente.

Embora o decreto que regulamenta a Lei da Inovação abra caminho para novas relações entre o setor público e o privado no que tange à inovação e à tecnologia, ele sozinho não poderá resolver tudo. Será necessário criarmos procedimentos e sistemas, da mesma forma que aconteceu com a própria Lei das Licitações, para permitir que a lei seja seguida de forma eficaz. O arcabouço jurídico está criado, mas continuamos com o problema de encontrar as GovTechs e conectá-las ao governo, funcionando como um “Tinder” de problemas e soluções de interesse público.

Uma possível resposta para essa questão são os programas governamentais de seleção e aceleração de startups. Os instrumentos criados para suportar a Lei de Licitações, como o ComprasNet, foram criados com o objetivo de dar ampla visibilidade ao mercado dos produtos e serviços que a administração pública quer contratar e permitir que o melhor negócio em termos de preço e aderência à necessidade seja fechado entre público e privado. Será que os editais de chamada de startups não poderiam ser usados como um novo modelo que atende os mesmos objetivos e suportam a Lei da Inovação?

Cito um exemplo concreto para facilitar o entendimento: o BNDES está lançando o BNDES Garagem, programa para criação e aceleração de startups. Nesse programa, as startups vão passar por uma seleção criteriosa, envolvendo empregados do Banco e especialistas do setor privado. As startups serão selecionadas dentro de verticais que foram priorizadas por terem grande potencial de atrair soluções inovadoras. Governo e interesse público poderiam ser verticais nas próximas edições do programa. E se o BNDES Garagem funcionasse como um selo que habilita as aceleradas a fazerem parcerias com os governos estaduais e federal? E se os governos nacional e subnacionais, através da administração direta, autarquias e empresas públicas, enviassem desafios a serem atacados por GovTechs selecionadas na peneira do BNDES Garagem? Além disso, mentores de quadros técnicos poderiam acompanhar de perto o desenvolvimento das startups que trabalharem nos desafios propostos pelo seu órgão.

O BNDES Garagem, não precisa e não deve ser o único programa de criação e aceleração de startups no Brasil. Nossos desafios são imensos e os nossos esforços precisam ser imensos também. No âmbito da administração pública, outras agências de fomento, instituições de pesquisa e empresas públicas têm grande contribuição a oferecer no adensamento de um ecossistema de inovação nacional. Para não dispersarmos esforços e energia, seria interessante que toda solução para um problema de interesse público estivesse a um clique de nós, servidores e empregados públicos. Será que um portal unificado, onde todos os programas de aceleração que recebem GovTechs disponibilizassem suas informações, seria o início de uma solução?

Apesar de não termos as respostas para todas as perguntas, parece que a única saída no mundo atual é incorporar a mentalidade das startups: falhar rápido e aprender mais rápido ainda.

*As declarações publicadas neste site são de minha única e exclusiva iniciativa e não representam, necessariamente, as opiniões, a estratégia e o posicionamento do BNDES sobre o assunto.

Vanessa Almeida é a líder da Iniciativa Blockchain do BNDES. Mestre em ciência da computação e pós-graduada em desenvolvimento econômico e social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, tem mais de 15 anos de experiência em projetos de tecnologia. Integrante do primeiro grupo da Rede de Liderança Feminina da Universidade Columbia no Brasil, Vanessa acredita que a inovação e o empreendedorismo vão transformar o Brasil.

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O Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio estuda o impacto e o futuro da tecnologia no Brasil e no mundo. — www.itsrio.org