Como uma top model ajudou a regular a internet no Brasil

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3 min readOct 19, 2016

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Por Sérgio Branco*

(Traduzido do original em inglês por Marianna Jardim)

Daniella Cicarelli e o caso do Youtube

Em 2006, a modelo e apresentadora brasileira Daniella Cicarelli estava passando uma temporada com seu namorado em uma praia de Cádiz, no sul da Espanha. Em um dia ensolarado, à beira de uma praia pública e com vários banhistas ao redor, o casal compartilhou momentos íntimos dentro da água. O acontecimento foi filmado em detalhes e, em pouco tempo, estava por toda a parte na internet.

O interesse em Cicarelli não era surpresa. No ano anterior, ela havia se casado com Ronaldo, mais conhecido como Ronaldo Fenômeno, um dos jogadores brasileiros mais famosos do mundo. Nessa época, ele jogava no Real Madrid, e ela era uma modelo bastante famosa. O casamento não durou muito, mas com certeza contribuiu para tornar Cicarelli mais famosa na Espanha.

Logo após a filmagem ter se popularizado (ao ponto de vendedores ambulantes terem o vídeo disponível à venda nas ruas), Cicarelli veio a público para expressar seu descontentamento. Ela exigiu que o vídeo fosse retirado do ar de todos os sites em que estivesse disponível, incluindo no Youtube. As tentativas de remover este conteúdo foram, no entanto, infrutíferas. Por tal razão, Cicarelli processou o Google, empresa que havia comprado o Youtube no mesmo ano.

Cicarelli queria que o vídeo fosse retirado permanentemente. O Google tentou diversas vezes, mas assim que o conteúdo ficava indisponível, alguém subia o vídeo de novo. E de novo, e de novo, e assim por diante. Frustrada com a impossibilidade de se livrar do vídeo, Cicarelli pediu que o Youtube fosse retirado do ar, considerando que o site não conseguia cumprir a decisão do tribunal. O juiz pensou que esta fosse uma boa ideia. Nos dias que se seguiram, o Youtube não estava mais disponível no Brasil.

Os resultados da decisão foram desastrosos, é claro. A sociedade civil reinvindicou que o Youtube voltasse ao ar e, dois dias depois, o mesmo juiz anulou a primeira decisão. No entanto, se o Youtube estava no ar de novo, a verdade era que o rei estava nu diante dos olhos de todo o mundo: a internet brasileira precisava de regras claras sobre seu uso e regulação. Enquanto todos esses eventos aconteciam, o Congresso brasileiro iniciou um debate para regulamentar a internet. De acordo com o Congresso, a primeira lei brasileira a regulamentar a rede seria criminal. Era claramente uma possibilidade terrível. Se não era nem possível que se chegasse a um consenso sobre as responsabilidades envolvendo o upload do vídeo de Cicarelli e o namorado no Youtube, como seria possível impor penas criminais às partes envolvidas?

Era 2007, e a sociedade civil se organizou para discutir a estrutura civil para a internet brasileira. Ela levava à criação de um projeto que, desde o início, se chamou Marco Civil da Internet. O objetivo era que tal projeto regulamentasse várias questões, como a neutralidade da rede, a proteção de dados, e, naturalmente, a responsabilidade dos intermediários.

Contudo, a maneira tradicional de discutir projetos de lei era desinteressante e, inclusive, ineficiente, considerando que deputados em geral não possuem grande conhecimento em relação à tecnologia. Por esta razão, parecia inevitável que o projeto de lei tivesse que ser discutido diretamente na internet. O Marco Civil ficou disponível para que qualquer um que estivesse disposto a contribuir a partir da própria expertise pudesse colaborar coletivamente. E isso foi feito eficientemente nos sete anos seguintes.

Série introdutória sobre Direito e Internet no Brasil: Parte 1/8

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Este artigo foi originalmente publicado em inglês para o site canadense DroitDu.net. Acesse aqui.

* Sérgio Branco é diretor do ITS Rio

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