Inovação no Plano Municipal: como tornar o Rio de Janeiro um hub de inovação e empreendedorismo

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10 min readOct 26, 2016

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Por Guilherme de Oliveira Santos* e Antonio Pedro Lima**

Em meio aos inúmeros desafios já conhecidos para o próximo prefeito do Rio de Janeiro (desemprego, caos na mobilidade urbana, precariedade da educação e da saúde, falta de saneamento básico, etc), os dois Marcelos, Freixo e Crivella, que disputam o segundo turno das eleições municipais, têm um desafio a mais: tornar o Rio uma cidade mais empreendedora e inovadora.

O apoio ao empreendedorismo e à inovação é decisivo para a superação de alguns desses desafios. Neste ano, se encerrou um ciclo de quase uma década na qual o Rio de Janeiro sediou grandes eventos quase anualmente, incluindo a realização da Copa do Mundo (2014) e dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos (2016), responsáveis pela atração de um volume de investimentos inédito na história recente da cidade. Essa atração gerou mudanças significativas na paisagem urbana carioca. Além disso, a profunda e longa crise econômica que atinge a economia brasileira desde meados de 2015 impõe fortes restrições orçamentárias para a solução de problemas do município no curto e médio prazo, deixando como legado o alto desemprego.

Neste contexto, o empreendedorismo tem o potencial de contribuir com a geração de emprego e renda. Somado a isso, a inovação também tem capacidade de aumentar a produtividade e competitividade das empresas, bem como solucionar problemas concretos da cidade, contribuindo para a melhoria da mobilidade urbana, agilizando a marcação de consultas e expandindo o saneamento básico em comunidades, por exemplo.

Ainda durante o primeiro turno, todos os candidatos, em maior ou menor grau, ressaltaram em seu discurso a importância do empreendedorismo e da inovação para a cidade — comprometendo-se ainda com o fomento de ambos. Grande parte desses discursos não apresentava uma agenda concreta de propostas que levasse em conta obstáculos e potencialidades que a cidade possui, bem como suas principais vocações.

Os candidatos que chegaram ao segundo turno também foram econômicos em suas propostas para o empreendedorismo e a inovação. Em seu plano de governo, Marcelo Crivella (PRB) não discorre diretamente sobre empreendedorismo. Ao Globo, o candidato do PRB afirmou que facilitará a abertura de empresas e que aposta no programa Zona Franca Social para incentivar a instalação de cooperativas em comunidades carentes. Serão encomendados mais de meio milhão de uniformes escolares da rede pública para gerar empregos.

Em segundo lugar nas pesquisas, Marcelo Freixo faz referência em seu plano de governo à criação de uma incubadora pública, com incentivo a startups; casas colaborativas e escritórios compartilhados; um programa de crédito popular para apoiar empreendedores; e a criação de um Banco Municipal de Desenvolvimento. Em entrevista à Globo, o candidato do PSOL disse que irá desburocratizar as concessões de alvará e facilitar acesso à informação para quem deseja abrir um negócio, além de mencionar que seriam promovidas caravanas de capacitação e maratonas de oficinas pela cidade.

Fomentar o empreendedorismo na cidade do Rio de Janeiro não demanda apenas mudanças profundas na lei, nem negociações complexas na Câmara dos Vereadores. Escrevemos este artigo com o intuito de contribuir com o debate apresentando algumas propostas que poderiam ser adotadas pelo candidato eleito. O prefeito pode fazer muito para estimular essa área e, consequentemente, gerar mais empregos e renda no Rio de Janeiro.

Obstáculos

O Rio de Janeiro é décimo colocado no ranking de empreendedorismo feito pela ENDEAVOR (Cidades Empreendedoras). Os motivos para esse resultado são:

a) Burocracia

A burocracia atrapalha enormemente os empreendedores cariocas, principalmente os de pequeno porte. Quase nenhum empreendedor tem recursos para pagar empresas especializadas ou consultorias para acelerar os processos necessários e superar as dificuldades na criação e consolidação da empresa. Além disso, os empreendedores gastam muito tempo circulando pela cidade, indo às diferentes secretarias municipais, para superar as várias etapas e pré-requisitos para abrir uma empresa. Há excesso de dificuldade, que precisam ser repensados pelo prefeito, para tornar esse processo menos penoso para o empreendedor. Segundo a mesma pesquisa da ENDEAVOR, as maiores dificuldades do dia a dia para os fluminenses são problemas com pagamentos de impostos: 16% dos empreendedores admitem isso, em comparação a 13% na média nacional. Entre as capitais do Sudeste, o Rio de Janeiro teve a menor taxa de sobrevivência de empresas que poderiam impactar positivamente o desenvolvimento local, com apenas dois anos de vida. De acordo com levantamento da ENDEAVOR, regularizar um imóvel no Rio de Janeiro exige 208 dias, enquanto a média no Brasil é de 153 dias. Além disso, a pesquisa apontou que são necessários 123 dias para abrir uma empresa na capital fluminense, enquanto este processo é realizado em 44 dias em Belo Horizonte, e somente 24 dias em Uberlândia.

b) Falta de aproximação entre gestores municipais e empreendedores

O empreendedor do Rio de Janeiro recorre pouco às instituições de apoio a empreendedores, como a SEBRAE, na cidade, segundo pesquisa da ENDEAVOR (apenas 43%). A prefeitura precisa, portanto, criar mecanismos para aproximar os gestores das boas ideias dos empreendedores.

c) Obstáculos na relação universidade-empresa

Vários estudos apontam a dificuldade do sistema de inovação fluminense na interação entre a infraestrutura de ciência e tecnologia e o setor produtivo. Esse obstáculo dificulta não só a transmissão de conhecimento e a transferência de tecnologias, mas também torna o processo inovador mais árduo e menos efetivo para empresas integrantes do sistema.

Potencialidades

a) Infraestrutura de Ciência e Tecnologia:

A cidade abriga um conjunto expressivo de organizações e instituições de excelência voltadas à geração de conhecimento científico e tecnológico, com destaque para universidades renomadas como a UFRJ, Uerj, PUC-Rio e FGV-RJ, institutos de pesquisa públicos e privados, e centros de pesquisa e desenvolvimento de grandes empresas, com destaque para o CENPES da Petrobras, e os centros de pesquisa da GE e da L’Oréal.

b) Instituições de apoio a empresas:

A cidade abriga uma rede de instituições de apoio a empresas considerável, com destaque para o SEBRAE-RJ, FIRJAN, a FAPERJ, a AgeRio, além das sedes do BNDES e da FINEP.

c) Ambientes de inovação:

Várias incubadoras atuam no Rio de Janeiro, com destaque para as incubadoras da COPPE/UFRJ e o Instituto Gênesis da PUC-Rio, bem como a incubadora Rio Criativo, mantida pelo Governo do Estado (focada em economia criativa). A cidade também tem dois Parques Tecnológicos, sendo um deles o Parque do Rio, o maior da América Latina, localizado na Ilha do Fundão, abrigando centros de pesquisa de várias multinacionais. O Rio ainda conta com muitos espaços de coworking.

d) Mão de obra

Pelo censo do IBGE de 2010, mais da metade dos cariocas têm ensino médio completo, bem acima da média nacional, de 35%. Além disso, praticamente um terço dos cariocas têm ensino superior. Destaca-se ainda a expressiva concentração de mestres e doutores na cidade. Segundo dados da RAIS, em 2014 o município empregava formalmente 4.627 doutores, o que era equivalente a quase 71 PhD’s por cem mil habitantes, valor bastante elevado para os padrões brasileiros. Há, portanto, uma mão de obra mais qualificada que no resto do país.

e) Mercado local

O Rio de Janeiro é a segunda maior cidade do país em termos de Produto Interno Bruto e em termos populacionais. São quase 6,5 milhões de cariocas com uma das maiores médias salariais do Brasil. Isso significa que o carioca tem poder de compra elevado, podendo gerar incentivos para diferentes setores, como a economia criativa, por exemplo.

f) Turismo

O Rio de Janeiro recebe uma quantidade expressiva de turistas todos os anos, o que afeta diretamente o setor de economia criativa, gerando empregos e aumentando a renda da cidade.

Vocações

O Rio de Janeiro pode aproveitar a sua boa infraestrutura científico-tecnológica e o seu pool de mão de obra qualificada para impulsionar setores dinâmicos, baseados em conhecimento e criatividade, com alto valor agregado e de inovação constante. A cidade tem potencial em vários setores, e a diversidade de sua economia pode potencializar inclusive o desenvolvimento e aproveitamento de tecnologias em uma perspectiva intersetorial.

a) Cidade tecnológica

A capital fluminense pode se tornar um cluster subsea, aproveitando a expertise desenvolvida pelo centro de pesquisas da Petrobras para desenvolver tecnologias adequadas às diferentes demandas para as operações em águas profundas e ultraprofundas. O Rio tem potencial no chamado complexo produtivo da saúde e no setor de biotecnologia, sob a liderança da FIOCRUZ e da Fundação BIORIO. Em função de sua localização privilegiada, o Rio de Janeiro também tem vocação na área de logística, setor capaz de gerar serviços com alto valor agregado.

O setor de Tecnologia da Informação é outro capaz de gerar bons frutos para o município, que possui concentração de profissionais qualificados, pesquisa de ponta e um número razoável de empresas. Neste setor, destacam-se o desenvolvimento de software, bem como a produção de aplicativos, com destaque para o crescimento do setor de games, alvo cada vez maior de incentivos e políticas por parte dos governos estadual e municipal.

b) Cidade criativa

Uma das grandes vocações da cidade é a chamada economia criativa, onipresente na fala de praticamente todos os candidatos no primeiro turno das eleições. No cerne desta economia estão as indústrias criativas, divididas em quatro categorias: Consumo (Publicidade, Arquitetura, Design e Moda); Cultura (Expressões Culturais, Patrimônio & Artes, Música e Artes Cênicas); Mídias (Editorial e Audiovisual); e Tecnologia (Pesquisa & Desenvolvimento, Biotecnologia e TIC).

O Rio tem vocação em praticamente todas as categorias e indústrias que as compõem, podendo vir a se tornar um hub de criatividade e inovação. Além da importância dos setores de Design e Moda, a cidade também possui grande potencial de desenvolvimento no setor de Audiovisual, graças à presença de estúdios de grandes emissoras de televisão e da produção elevada de filmes nacionais.

A cidade é considerada a capital cultural do país, tendo uma imensa oportunidade na Economia da Cultura. Destaca-se aqui o APL do Carnaval, que ainda hoje é altamente informal, tendo um potencial ainda inexplorado para a geração de produtos e serviços inovadores, inclusive com a possibilidade de exportação, gerando emprego e renda para a cidade.

c) Cidade inclusiva

Por fim, vale ressaltar que a cidade do Rio de Janeiro tem vocação para o desenvolvimento do chamado empreendedorismo social. Apesar estar em estágio embrionário, este setor cresce na cidade. Algumas iniciativas foram criadas para apoiá-los, como Instituto Gênesis, Sistema B e Yunus Negócios Sociais. Esses empreendimentos procuram atenuar a enorme desigualdade presente na cidade.

Propostas

Sem dúvida, o primeiro passo para melhorar o ambiente de negócios na região é investir na desburocratização, facilitando e acelerando o processo de abertura e fechamento de empresas. Todo este processo poderia ser feito em uma plataforma online, medida adotada em outros países. O próximo prefeito deve também buscar a simplificação do pagamento de tributos, sobretudo para as pequenas e médias empresas. Uma sugestão é a criação de um “Rio Poupa Tempo” voltado para empreendedores, e que facilitasse a formalização de empresas.

Outra tarefa essencial é a de articulação de todos os atores que compõe o ecossistema de inovação na cidade, aproximando gestores, empreendedores, investidores, acadêmicos e outros. Mapear este ecossistema é o primeiro passo, seguido da criação de um ambiente virtual no qual todos pudessem interagir. O apoio à realização de eventos e feiras periódicos também seria uma forma de criar oportunidades de contato na área. As opiniões dos atores que compõe este ecossistema são se extrema importância para orientar este processo.

O próximo a ocupar o executivo municipal deve levar em consideração as vocações da cidade, escolhendo setores estratégicos e com potencial de inovação e geração de emprego qualificado para apoiá-los com os instrumentos ao seu alcance, em detrimento de políticas de incentivos fiscais massivos, que já se mostraram fracassadas. A título de ilustração, atualmente no Rio de Janeiro, enquanto uma empresa de ônibus paga 0,01% de ISS, um empreendimento de software chega a pagar 2%.

A prefeitura também deve se preocupar em facilitar o acesso ao crédito por parte dos micro e pequenos empreendedores. É interessante que se crie, inclusive, um fundo municipal de investimento para que se adquira participação nas empresas apoiadas.

É recomendável também a realização de hackathons periódicos no município. Assim, dados serão frequentemente explorados e usados para alavancar a geração de novos serviços para a cidade. A cidade de São Paulo é caso bem-sucedido nesse sentido. Por meio de um hacktathon realizado em 2016, que selecionou os projetos mais inovadores, a prefeitura incentivou a criação de soluções inovadoras de aplicativos para melhorar o transporte de ônibus.

Neste contexto, o próximo prefeito poderia criar uma incubadora municipal voltada para a geração de soluções tecnológicas para problemas críticos da cidade como mobilidade, saneamento, educação e saúde. Através do seu poder de compra a prefeitura garantiria a demanda, incentivaria a inovação, e resolveria problemas de forma mais eficiente.

Aproveitando a revitalização de áreas degradadas da cidade, prédios abandonados poderiam ser utilizados para criar espaços de coworking, focados, sobretudo, na economia criativa, setor de grande potencial. Caberá ao novo prefeito formular estratégias para a formalização do setor, aprimorar o marco jurídico e regulatório, promover a sua articulação com outras políticas como comércio exterior e desenvolvimento social e investir no estabelecimento de clusters e zonas criativas em diferentes pontos da cidade.

Estimular o empreendedorismo social, principalmente em comunidades, é outro dever a ser cumprido pela prefeitura nos próximos anos, visando ao crescimento econômico da capital do estado. Investindo na capacitação empreendedora e no fornecimento de microcrédito para os microempreendedores, a prefeitura poderá fazer muito pela economia carioca.

O próximo prefeito deverá estimular o florescimento e o fortalecimento de uma cultura empreendedora na cidade, pensando no médio e longo prazo. Para tanto, seria importante pensar na incorporação da educação empreendedora em todos os níveis escolares, principalmente na educação fundamental, que é de responsabilidade do município.

*Guilherme de Oliveira Santos: doutorando do PPED-UFRJ

**Antonio Pedro Lima: economista e analista de projetos do ITS Rio

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