Liberdades recuam na Internet

Autor: Pierre Trudel / tradução: Cristiano Therrien

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As liberdades estão perdendo terreno na Internet. De um lado, a supressão das regras que garantem a neutralidade da rede pela autoridade reguladora de telecomunicações dos EUA é um exemplo de políticas que tendem a fragilizar a capacidade dos usuários da Internet de difundir conteúdos lícitos e acessá-los. Por outro lado, o mau ajuste das leis destinadas a lutar contra o assédio e a desinformação contribuem para vulnerabilizar muitos usuários e os coloca à mercê de grupos de ódio.

No seu relatório mais recente, a organização Freedom House constata que as liberdades dos usuários de Internet sofreram recuos consideráveis. Vários governos aumentaram significativamente seus esforços para manipular informações, inclusive nas mídias sociais. Paralelamente, as ausências de regulação facilitaram a tarefa de grupos de ódio, que alimentam o conspiracionismo e suas chamadas à exclusão.

Manipulação e perda de confiança

Às atividades ocultas de manipulação se soma, em certos países, a multiplicação das interrupções no acesso à Internet móvel. Verifica-se também um crescimento dos ataques físicos e técnicos contra a mídia independente e os defensores dos direitos humanos.

Evidentemente, não é de ontem que os regimes autoritários buscam controlar o fluxo de informações em seus territórios. Mas, diante da dificuldade de aplicar obstáculos arbitrários às atividades que se desenrolam na Internet, alguns governos procuram gerar conteúdo para moldar a paisagem digital a seu favor. Por exemplo, o relatório da Freedom House diz que cada vez mais governos recorrem a táticas de manipulação que se reforçam mutuamente. Os regimes autoritários se utilizam das mesmas ferramentas usadas pelos ativistas dissidentes. Tudo se passa como se uma parcela das ferramentas usadas para combater os regimes autoritários fosse cada vez mais desviada para servir aos propósitos dos autocratas.

O recurso a diferentes técnicas de manipulação gerou uma proliferação de informações falsas e discursos de ódio e de assédio que enfraqueceram a confiança que tínhamos nas redes sociais. Pode-se revelar difícil restaurar a confiança em um universo tão flutuante. É preocupante que as retificações reivindicadas por todos os lados tragam recuos para as liberdades de expressão.

Visões românticas

Esses recuos da liberdade na Internet mostram os limites das visões românticas que frequentemente centralizaram a reflexão no que diz respeito aos desafios e riscos da regulação das atividades produtivas e da circulação da informação no espaço virtual. As sociedades democráticas precisam reforçar suas leis para garantir que a transparência do que é dito on-line seja pelo menos equivalente ao que é exigido da comunicação off-line.

As plataformas hoje dominantes, como Google e Facebook, devem rever o funcionamento de seus algoritmos na origem da triagem de informações, e serem mais proativas na detecção de agentes automáticos (bots) e contas falsas usadas para fins de manipulação.

Esses fenômenos atestam as dinâmicas pelas quais se efetuam as regulações no ambiente da rede de redes. Já não é tanto por meio de leis que proíbem certas atividades de expressão que os Estados tentam impor suas “verdades” na rede. É cada vez mais através de investimentos na própria rede, ao mobilizar suas consideráveis capacidades de disseminação de informações, que os Estados chegam a colocar em risco aqueles que procuram se informar e informar seus pares. As forças democráticas em todo o mundo devem então olhar mais de perto o funcionamento efetivo dos ambientes da rede. As configurações técnicas que aí prevalecem, as práticas que aí se desenvolvem, as capacidades de manipulação que os ambientes conectados agora colocados à disposição para todos, tanto para melhor quanto para o pior, devem ser capazes de ser objeto de olhares críticos.

Em um ambiente tão impermeável às fronteiras e às veleidades de diferentes atores para impor suas regras de jogo, a regulação deve ser encarada de maneira diferente. Esta assim se apresenta como um conjunto de riscos impostos a todos que interagem na rede. É ilusório imaginar o combate a estas tendências ao estabelecer normas concebidas segundo abordagens tradicionais. Em vez disso, é necessário promover a pluralidade de capacidades autônomas para impor transparência a todos que atuam na rede. Mais do que nunca, a garantia de debates democráticos repousa sobre as obrigações reais de responsabilização daqueles que falam e daqueles que contribuem para veicular ou enquadrar o discurso online.

Bio do autor: Pierre Trudel é professor titular no Centro de Pesquisa em Direito Público (CRDP) da Faculdade de Direito da Universidade de Montréal, Canadá. Ele foi professor visitante nas Universidades de Laval (Quebec), Paris II (Panthéon-Assas) e Namur (Bélgica). Pierre Trudel é pesquisador associado ao CEFRIO, membro do Conselho do Centro de Estudos sobre as Mídias e membro da Sociedade Real do Canadá. Ele ministra disciplinas de Direito à Informação e Direito ao Ciberespaço. Pierre Trudel é autor de vários livros e artigos em Direito das mídias e em Direito das Tecnologias da Informação. Ele atualmente trabalha em projetos de pesquisa sobre direitos fundamentais da informação, proteção da vida privada nas redes, avaliação de desafios e riscos jurídicos, Internet das Coisas, informações digitais sobre saúde, direito ao audiovisual, comércio eletrônico, e metodologias de elaboração de regras de conduta nos ambientes em rede.

Tradutor: Cristiano Therrien é doutorando sob a orientação do professor Pierre Trudel e sua tese doutoral trata do uso de dados abertos e pessoais em aplicações de Big Data para cidades inteligentes. Ele é bolsista CAPES e pesquisador no Centro de Pesquisa em Direito Público (CRDP) na Faculdade de Direito da Universidade de Montréal, Canadá. Cristiano Therrien é mestre em Informática e Direito pela Universidade Complutense de Madri, Espanha. Ele atuou como advogado especializado em Tecnologias da Informação e foi professor de cursos de graduação e pós-graduação nas áreas de Direito digital, propriedade intelectual, segurança da informação, entre outras.

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