Quem será o relator da Lava Jato? Pergunte ao algoritmo

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3 min readJan 31, 2017

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Por Carlos Affonso, Celina Bottino e Vinicius Padrão*

Após o acidente aéreo que vitimou o ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, no dia 19 de janeiro, aumenta o debate sobre as consequências desse fato para a operação Lava Jato. O Ministro Teori era o relator da ação e iria, após o recesso, homologar uma série de “delações premiadas” que influenciariam os rumos do processo.

Muito se discutiu sobre quem seria o novo relator: haveria uma nova redistribuição de processo ou o imediato substituto, escolhido pelo presidente Michel Temer, seria o responsável por assumir o caso? Ao que tudo indica, entretanto, após homologar as 77 delações de executivos e ex-funcionários da Odebrecht, a atual Presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, está disposta a realizar um sorteio para decidir a nova relatoria.

Surge, então, um novo questionamento: a escolha por sorteio é feita por um software, um programa de computador que, a partir de instruções previamente determinadas (“algoritmo”, em uma definição bem simples) decide por um resultado. Como garantir que esse procedimento seja realmente aleatório?

A resposta natural seria: “com mais transparência”. Todavia, o código-fonte do programa de computador que realiza o sorteio nunca foi divulgado pelo principal tribunal do País. Apesar da transparência ser um princípio geral da Administração Pública, ao ser questionado sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal negou acesso ao código, uma vez que existiria “ausência de previsão normativa para tal.” Vale lembrar que a Lei de Acesso à Informação (Lei nº. 12.527/2011) positiva o “fomento ao desenvolvimento da cultura de transparência na administração pública”.

Especialmente no cenário atual, marcado por crises de representatividade e institucionais, a clareza dos procedimentos é uma garantia preciosa. A aleatoriedade do sorteio torna-se, assim, a pedra fundamental desse debate, ao passo em que, ao público em geral, cada vez mais interessado nos rumos do STF, o conhecimento sobre como opera o programa responsável pelo sorteio é negado. Essa postura apenas fomenta a desconfiança dos que querem deslegitimar o processo ou simplesmente não ficaram satisfeitos com o resultado sorteado.

A figura do relator é fundamental para o andamento de qualquer processo. É ele que dita o ritmo, organiza os trabalhos de cartório, pauta o julgamento e, finalmente, conduz o primeiro olhar sobre os questionamentos jurídicos ali envolvidos. Quanto mais importante o processo e maior a atenção do público em geral, mais importante se torna a escolha do relator.

“O melhor desinfetante é a luz do sol”. A frase sempre repetida do Ministro da Suprema Corte dos EUA, Louis Brandeis, e frequentemente lembrada em importantes votos recentes no Supremo Tribunal Federal, não poderia ser melhor aplicável ao caso. Saber como funciona o software, quais são os padrões de operação determinadas pelo algoritmo que, em última instância (literalmente), decidem a relatoria de um processo, é simplesmente fundamental.

Transparência gera confiança. É essa transparência que descredencia teorias da conspiração e fortalece a participação e o escrutínio cidadão sobre as atividades públicas. Caso efetivamente ocorra um sorteio para o relator da Lava Jato no Supremo, uma coisa é certa: nem todos ficarão satisfeitos com o resultado. Para evitar que as considerações políticas e preferências pessoais sejam somadas às mais desvairadas especulações, seria recomendável dar mais transparência ao algoritmo, esse personagem oculto do Supremo Tribunal Federal.

*Carlos Affonso, cofundador e diretor do ITS Rio, Celina Bottino, diretora do ITS Rio, e Vinicius Padrão, pesquisador do ITS Rio.

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